JARDINS DA OPOSIÇÃO

Escola de Artes Visuais 1975-1979, Uma homenagem a Rubens Gerchman

De que fala este projeto

Durante o governo Ernesto Geisel, ou seja, durante o rito de passagem entre a ditadura militar repressiva e o processo de redemocratização do país, a história das artes e da cultura no Rio de Janeiro confunde-se com a abertura de um espaço inédito de expressão cultural na cidade que foi a criação, em 1975,  da Escola de Artes Visuais no Parque Lage pelo artista Rubens Gerchman. Ex-Instituto de Belas Artes do Estado, a nova EAV abrigou, durante este período, um número incrível de cursos que articulavam  a criação nas artes visuais a todas as formas de arte, como o teatro, a literatura e a fotografia e o cinema. A efervescência cultural criada pela política da nova grade de cursos e oficinas da EAV e a evidência da abertura de um espaço para os  novos procedimentos estéticos, concentraram no ambiente do Parque Lage,  neste período, os principais eventos, debates, exposições, leituras de poesia e de teatro, performanceshappenings e instalações produzidas no Rio de Janeiro.

Ainda em 1975, Helio Eichbauer  e Lina Bo Bardi inauguram as atividades da nova EAV com a Oficina Pluridimensional , uma experiência que articulava a dança, o espaço, a construção de maquetes, a pintura, a body art. Associadas às oficinas
haviam as Conferências-espetáculo sobre filosofia, dança, arquitetura, antropologia, ou as aulas-performances do Helio  Eichbauer, tais como Alice Wonderland, Paul Klee, Malevich e Maiakovsky  que deram definitivamente o tom e o espírito da EAV.

Ao longo da segunda metade dos anos de 1970, a Escola de Artes Visuais reuniu cerca de quarenta artistas renomados oferecendo 65 oficinas,  e que conviveram com mais de dois mil alunos  num clima de parceria, definindo a EAV  como o ambiente mais estimulante da cidade,  marcado principalmente pela liberdade que desafiava o academicismo e a censura imposta pelo regime. Construiu-se um ambiente transdisciplinar riquíssimo do qual participaram artistas e intelectuais de peso, tais como: Helio  Eichbauer, Lina Bo Bardi, Mario Pedrosa, Antonio Dias, Roberto Magalhães, Celeida Tostes, Gastão Manoel Henriques, Claudio Tozzi, Marcos Flacksman, Sergio Santeiro, Dionísio del Santo, Roberto Maia, Lelia Gonzáles, Paulo Herkenhoff, Claudio Kuperman, Chacal, Walter Carvalho,  entre outros.

Simultânea e visceralmente articulados à suas atividades regulares, A EAV abrigou alguns dos eventos culturais mais importantes da época como a 1ª Exposição Mundial de Fotografia, uma montagem do Rei da Vela elaborada por José Celso Martinez Corrêa,  uma exposição inédita de fotografias de Mario de Andrade além de inúmeros shows de música com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Cazuza, Fagner, Chico César. Estes shows, montados por Xico Chaves, a partir do projeto Verão a mil também conhecido como Tenda Voadora,  aconteciam sob uma grande tenda de lona, reutilizando antigos pára-quedas de guerra,  armada nos jardins do  Parque Lage, reunindo cerca de mil e quinhentas pessoas por evento. O formato destes eventos inspirou a montagem,  logo depois, no Arpoador , do primeiro “Circo Voador”, projeto cultural que, até hoje, é uma referencia para a cidade.

Em função da demanda crescente gerada por este espaço único de
Arte Livre em tempo de “chumbo”, a EAV criou um espaço para estudos de cinema e um cineclube, o Cine Ave. Cursos coordenados por Sergio Santeiro e Roberto Maia, realizaram curtas dirigidos pelos alunos e promoveram a exibição acompanhada de amplos debates sobre o cinema contemporâneo nacional e internacional, com a participação  de artistas e intelectuais do porte de Darci Ribeiro, Roberto da Matta, Ferreira Gullar, Luis Felipe Noé, além dos artistas envolvidos regularmente nas atividades da Escola

A EAV, ou o “Parque Lage” por volta de 76, ao lado do MAM,  já era considerada a grande usina cultural e espaço de convivência e troca da cidade do Rio de Janeiro, cuja “vida inteligente” encontrava-se atingida seriamente pela situação de exceção política-institucional do país.  Foi na EAV que a poesia marginal, a mais importante expressão literária contracultural de resistência encontrou seu espaço de criação e de realização de performances e eventos que reuniam um enorme público jovem em torno da literatura, coisa, até hoje, praticamente inédita no mercado literário. Foi na EAV que Francisco Bittencourt sediou nossa primeira e importante revista gay,  Lampião. Foi na EAV que os psicanalistas da  vanguarda lacaniana sediaram  a Escola Freudiana do Brasil. Foi na EAV que Joaquim Kollretuer organizou os já históricos concertos de música dodecafônica.

Em 1978, com o incêndio do Museu de Arte Moderna, a cidade perdia um dos poucos espaços culturais da cidade e um acervo riquíssimo alem dos trabalhos reunidos para a retrospectiva do artista uruguaio Torres-Garcia, em mostra no MAM. A EAV imediatamente  reuniu mais de 3 mil pessoas numa passeata-happening,  dirigida por Zé Celso e Gerchman, intitulada SOS MAM. Ao som dos surdos e tambores das Escolas de Samba Beija-Flor e Portela, a EAV liderava assim, uma ação pública de grande porte, em prol da reconstrução do nosso Museu de Arte Moderna.

Objetivo

A montagem de uma grande exposição que reconstitua o ethos e o ambiente de experimentalismo contra-cultural e explosivamente criativo desenvolvido no espaço institucional da Escola de Artes Visuais do Rio de Janeiro durante o período 1975-1979. Paralelamente serão também mostrados documentos, vídeos, filmes, fotos e elementos cenográficos e sonoros, exibidos em dois  ambientes estruturais e vários pontos de “contaminação”  dispersos pelo Parque Lage visando obter uma ocupação do prédio e do terraço da EAV.

No  primeiro ambiente serão realizadas  conferências-espetáculo, workshops, eventos, exibições de filmes e montagens multimídia como , por exemplo, o registro da obra  Nascimento realizada por  Celeida Tostes em colaboração com o antropólogo francês Henri Stein, e Uirapuru happening a partir do poema sinfônico de Villa Lobos.

O segundo ambiente vai se dedicar a contar a história política e cultural deste período através das atividades hospedadas na EAV. Será fundamentalmente documental, reunindo grande numero de fotos, vídeos, recortes, revistas, enfim trazendo à tona a “memória submersa” na e da Escola de Artes Visuais do Rio de Janeiro, no complexo período que foi a transição da ditadura para a redemocratização do país. Um ponto alto deste ambiente será a reprodução em grandes plotters dos painéis históricos que reuniam o resultado dos trabalhos das diversas oficinas ministradas e que compuseram a última grande exposição do período, em 1979, intitulada  “Espaço de Emergência e de Resistência”.

Todos os ambientes da exposição, que prevêem também intervenções sonoras,  serão coordenados, montados e cenografados por Helio Eichbauer.

Justificativa

Os anos 70 foram conhecidos como aquele tempo habitado por um grande vazio cultural. Essa idéia, cunhada por Zuenir Ventura,  que fez história na crítica de cultura da época,  justificava-se pela mão pesada da censura e dos limites de expressão e criação impostos pela ditadura militar. Entretanto, passado o susto, muitos estudos, pesquisas e resgates históricos começaram a  identificar uma grande vitalidade artística e cultural  no bojo das manifestações contraculturais do período, que sucederam, nos anos 70, a arte de denúncia política do período anterior a 1968 e seu “golpe dentro do golpe”.

Com o passar do tempo a história e a crítica começam a resgatar  com maior justeza e acuidade a arte da conhecida “geração do sufoco”  ou “geração AI5” .  É a hora e a vez da arte de Cildo Meireles, Tunga, Waltercio Caldas, Luiz Alphonsus, Barrio, Carlos Zílio,  do cinema underground de Julio Bressane, Rogério Sganzerla e Ivan Cardoso,  do teatro alternativo do Grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, da música dos Novos Bahianos e do rock brasileiro, da poesia marginal de Cacaso, Chacal, Ana Cristina César, Waly Salomão, da imprensa nanica dos jornais Pasquim, Opinião, Movimento, Malazartes e tantos outros.

Estranhamente, apesar do amplo reconhecimento que a cultura da década de 70 adquiriu hoje, é totalmente desconhecida a história dos espaços institucionais e informais que se constituíram em raros e importantes locus de criação e de pensamento de resistência cultural e política.  Neste sentido, é imperdoável  que ainda não se tenha trazido a público a atuação do antigo Instituto de Belas-Artes transformado em 1975, por Rubens Gerchman na moderníssima  Escola de Artes Visuais. Localizada no Parque Lage, zona sul do Rio de Janeiro, a nova  Escola de Artes Visuais, além de ter implantado um currículo revolucionário para o ensino e a experiência artística,  criou, incentivou e  abrigou praticamente todos os principais eventos, exposições e manifestações culturais e políticas do período.

Trazer de volta os personagens, as obras e a atmosfera intensa de criação e debates do Parque Lage, nos últimos anos da ditadura militar, e mostrá-la ao público, através de uma proposta de exposição finamente sintonizada com o própria proposta da EAV,  e da recriação de sua atmosfera artística e comportamental, além de trazer o   resgate de um dos momentos artísticos mais marcantes nossa história recente, vai constituir-se uma forma de fazer justiça ao extraordinário trabalho de Gerchman à frente do Parque Lage, nem sempre valorizado suficientemente no conjunto de sua obra. São estes os objetivos deste Projeto.

Sinopse

O Projeto Jardins da Oposição, pretende  mostrar, numa grande exposição, parte significativa da produção artística e cultural dos anos 70 através da remontagem do ambiente e da produção realizada no espaço da Escola de Artes Visuais do Rio de Janeiro no Parque Lage, no período 1975-1979. Para tanto, utilizaremos  registros áudio-visuais,  documentos impressos, iconografia e, também, a recriação de alguns dos eventos, exposições, performances, happenings,  debates e resultados das oficinas que tiveram lugar na EAV neste período. Esta mostra trará ao público uma história ainda não contada suficientemente que foi a história e a importância deste espaço para a produção artística e cultural do período Geisel bem como sua influência decisiva nas artes e na cultura dos anos 80.

Observações

O material utilizado neste projeto de exposição  encontra-se, em sua maior parte, nos acervos particulares de Rubens Gerchman e Helio Eichbauer, coleções quase completas da memória da EAV no período.